• Ônibus merecem “tapete vermelho” nas cidades, diz ex-secretária de transportes de Nova York

    20/06/2016 Categoria: Esclarecimentos

    Matéria publicada no Blog Ponto de Ônibus

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    Janette Sadik-Khan, quando era secretária de transportes de Nova York desenvolveu ações para a melhoria dos serviços por ônibus, o que rendeu resultados práticos para a população

    Segundo ela, em entrevista à Folha de São Paulo, os ônibus são a “força motriz” do transporte público e é errado pensar que é um meio de transporte ultrapassado, que já era, que são menos importantes ou insuficientes. Faixas de ônibus e ciclovias são mais importantes que grandes obras

    A ex-secretária de transportes da cidade de Nova York, Janette Sadik-Khan, é considerada uma das maiores especialistas em mobilidade urbana no mundo não porque apenas realizou estudos, mas por ter desenvolvido ações práticas que melhoraram a mobilidade e qualidade de vida numa das cidades mais populosas do planeta, com 8,7 milhões de habitantes em 784 km². A população da Região Metropolitana de Nova York é a maior dos Estados Unidos, estimada em cerca de 18,9 milhões de pessoas distribuídas em 17.400 km²

    Em entrevista à Bruno Fávero e a Raul Juste Lores, do jornal Folha de São Paulo, não somente por opinião, mas por meio de seus conhecimentos e experiências, ela desbanca aqueles que acham que o ônibus é algo ultrapassado, que não deve ser prioridade nas ações de mobilidade urbana e que dizem frases prontas do tipo: “modal insuficiente”, “ meio de transporte que já era” ou “inapropriado para as altas demandas”.

    Sem ficar na limitação ideológica de querer contrapor ônibus a modais metroferroviários, Janette Sadik-Khan coloca os “pés no chão” e mostra que sistemas de ônibus não se saturam com o tempo. Basta tornar o ônibus mais atraente:  “Eles [os ônibus] não podem ser vistos com a última alternativa de quem não tem outra opção. [Em Nova York,] decidimos fazer um concurso de design, para que o tecido das poltronas fosse bacana, que a pintura do ônibus e até o neon na frente chamassem atenção. Tinha que ser ‘cool’.”

    A especialista afirmou que o ônibus é a “força motriz do transporte público” e que deve receber atenção do poder público, mesmo em regiões onde que são amplas as redes de metrô, como fez em Nova York, tendo resultados práticos.

    “Os ônibus merecem tapete vermelho, pois levam a maior parte dos passageiros em diversas cidades pelo mundo. Mas eles precisam ser mais rápidos e mais confortáveis. Em algumas regiões de Manhattan, era mais rápido andar a pé do que estar dentro de um ônibus. Adotamos o sistema de corredores de ônibus (BRT), que Curitiba criou e que se popularizou. Em Nova York, seria muito difícil fazer um corredor isolado em cada avenida, então espalhamos uma rede de câmeras que multa o carro que invade o espaço do ônibus. Nada mais educativo que uma multa. Também colocamos “transponders” (localizadores) nos ônibus e sincronizamos eles com os semáforos. Quando eles estão se aproximando de um cruzamento, o sinal verde se mantém por alguns segundos a mais para que o ônibus não precise esperar. Essa coordenação é fundamental.”

    Janette Sadik-Khan também é conhecida por multiplicar a rede cicloviária de Nova York. Ela defende que todas as cidades do mundo devem tornar interessante o transporte por ônibus e confirma que projetos rápidos e baratos, como ciclovias e faixas para ônibus, são mais eficientes para mudar a cidade do que realizar grandes obras.

    Uma das inspirações para secretária é o exemplo de Curitiba com os BRTs, que, segundo ela, devem continuar recebendo atenção para não terem a qualidade comprometida.

    Ele esteve no Brasil para lançar seu livro “Streetfight: Handbook for an Urban Revolution”  – em tradução livre, “Briga de rua: Manual para uma Revolução Urbana”.

    Confira a entrevista à Folha de São Paulo.

    Folha – No seu livro, a sra. escreve que os ônibus não recebem muita atenção de planejadores urbanos, e que merecem uma “nova imagem”. Por onde começar?
    Janette Sadik-Khan – Os ônibus merecem tapete vermelho, pois levam a maior parte dos passageiros em diversas cidades pelo mundo. Mas eles precisam ser mais rápidos e mais confortáveis. Em algumas regiões de Manhattan, era mais rápido andar a pé do que estar dentro de um ônibus. Adotamos o sistema de corredores de ônibus (BRT), que Curitiba criou e que se popularizou. Em Nova York, seria muito difícil fazer um corredor isolado em cada avenida, então espalhamos uma rede de câmeras que multa o carro que invade o espaço do ônibus. Nada mais educativo que uma multa. Também colocamos “transponders” (localizadores) nos ônibus e sincronizamos eles com os semáforos. Quando eles estão se aproximando de um cruzamento, o sinal verde se mantém por alguns segundos a mais para que o ônibus não precise esperar. Essa coordenação é fundamental.

    A sra. também diz que os ônibus são tão sexy “quanto um vestido amish [minoria religiosa, que usa trajes longos e folgados]”. Como deixá-los atraentes?
    Eles não podem ser vistos com a última alternativa de quem não tem outra opção. [Em Nova York,] decidimos fazer um concurso de design, para que o tecido das poltronas fosse bacana, que a pintura do ônibus e até o neon na frente chamassem atenção. Tinha que ser ‘cool’. Não faz sentido ficar esperando dez minutos no ponto, sem fazer nada, e depois ficar numa fila para embarcar, para pagar a passagem. Pegamos máquinas de venda de passagens do metrô e as levamos para a superfície. O ideal é que a pessoa já pague pela passagem antes do ônibus chegar. O embarque e o desembarque têm que ser velozes. De ser um vestido amish, o ônibus tem que virar o biquíni do transporte.

    Há cerca de 7 anos, as empresas de ônibus de Nova York foram estatizadas. Esse é o melhor modelo?
    E a chave para o transporte público funcionar é coordenar os serviços. Não pode haver duplicidade e nem variação da qualidade de acordo com o interesse quem opera a linha. E claro que as empresas vão sempre querer as linhas que são mais lucrativas. Então [, no modelo privado,] o serviço pode não ser oferecido em áreas críticas na tentativa de maximizar o lucro. Isso não é eficiente, não é estratégico.

    Os ônibus e o metrô são da autoridade metropolitana, a rede de bicicletas e de ciclovias é municipal, os trens são estaduais. Como trabalhar em conjunto, quando autoridades de partidos diferentes ou departamentos até da mesma gestão pouco conversam?
    O cultivo de relações pessoais é fundamental. Sempre ajuda se você conhece seu colega em outro setor, pega o telefone e pede ajuda para quebrar um galho. Trabalhei no Departamento [Ministério] de Transportes federal no governo de Bill Clinton, quando conheci boa parte das autoridades com quem eu teria que me relacionar quando fui para a prefeitura na gestão Bloomberg. Esses contatos ajudaram a acelerar programas.

    No livro, a sra. demonstra frustração com a demora da construção da linha de metrô sob a Segunda Avenida, de Nova York. A sra. é contrária à expansão do metrô, por ser cara e lenta?
    Não. Toda a cidade tem que estudar sua demografia, suas finanças, seu solo e decidir o que é melhor para si. Em Nova York, o sistema de metrô é a nossa coluna vertebral. Na verdade, o sucesso econômico da cidade se deve a termos um sistema de transporte coletivo tão eficiente, que leva milhões de pessoas todos os dias em poucos minutos. Imagine fazer pistas e vias expressas para toda essa gente. Los Angeles, Atlanta e São Paulo investiram muito para o carro e os congestionamentos estão aí.

    O que você acha do Uber e da desregulamentação que tem promovido nos serviços de táxi pelo mundo?
    Eu acho que aplicativos como Uber e Lyft [seu principal concorrente nos EUA] são uma promessa incrível, tanto para melhorar as conexões com o transporte público nos primeiro e último quilômetros de um trajeto quanto para prover serviço em áreas que não teriam outras opção de transporte.
    Mas é importante equilibrar o jogo entre táxis e esses aplicativos. Não devemos deixar de lado as regulamentações importantes que já existem de segurança e de qualidade dos veículos.

    A sra. defende a execução de obras rápidas e baratas, como a pintura de faixas de bicicletas e ônibus. Aqui, as ciclovias pintadas foram criticadas como “improviso”. O que você diria para esses críticos?
    Pense em como as cidades mudaram na últimas décadas: a economia, o número de pessoas, os negócios, a tecnologia. E pense no que foi feito em planejamento urbano nesse mesmo período. Nossas ruas ainda estão na versão 1.0 e, diferentemente de um iPhone, não vão se atualizar sozinhas. Então, a ideia de testar as coisas, “pintar mudanças”, é ótima. Se não funcionar, muda-se de volta, tudo bem. Mas as cidades que nem tentarem ficarão atrás das que estão fazendo algo. E, hoje em dia, pessoas e companhias mudam de lugar com muita facilidade. Portanto, melhorar a qualidade de vida das pessoas não é só uma coisa legal de fazer, é crítico para a economia.