• Menos botão, mais arroz e feijão

    17/01/2019 Categoria: Mobilidade Urbana

    No que, aparentemente, são belas alternativas para a mobilidade das pessoas, nas médias e grandes cidades, podem estar escondidas boas doses de hipocrisia, oportunismo e desconhecimento. É inconsequência os sistemas de transportes não aderirem às tecnologias. Elas estão aí e outras novas surgem a cada dia, devendo ser usadas para melhorar a vida das pessoas. Mas o caminho correto parece ser este mesmo: a mobilidade fazer uso das novas tecnologias e não se render a elas. Quando se fala em aplicativos de transportes (em especial, os individuais), big datas, programas que traçam um diagnóstico das necessidades de cada cidadão, muitos ficam vislumbrados. Também pudera, dados que uma gestora de transportes processava e armazenava precisando de prédios inteiros há 30 ou 20 anos, hoje cabem na palma da mão em um celular. Como não apoiar um avanço desse? Como não festejar o fato de que hoje, de qualquer lugar, um usuário de transporte coletivo pode interagir com a gestora do serviço de transporte, com a operadora e com os outros passageiros? É fantástico. Mas a tecnologia tem de ser uma ferramenta, apenas, e não o fim em si. Maravilhados com as revoluções das máquinas, ditos especialistas em transportes esquecem do principal: tudo deve convergir para a vivência entre os cidadãos, ou seja, para a vida coletiva. E aí vem a pergunta: será que toda essa tecnologia que se traveste com a máscara do compartilhamento não pode deixar as pessoas ainda mais individualizadas nas cidades? A utilização de um carro de transporte individual, que depois vai ser usado por outra pessoa em outra viagem, pode ser considerada compartilhamento mesmo? O uso de uma bike (cadê a palavra bicicleta que parece estar sumindo de nossos textos) que é deixada em qualquer ponto na cidade para depois outro utilizar é realmente integrador dos pontos de vista social e humano? A tempo, antes de interpretações equivocadas deste texto: ninguém aqui está sendo contra aplicativos de transportes, serviços de aluguel de bicicleta e tampouco defendendo ônibus, trem e metrô lotados que precisam melhorar e muito para atrair o cidadão para o que realmente é coletivo e compartilhado. Mas é questão de prioridades. Sabe o básico? Corredores para os ônibus andarem mais rapidamente e terem um serviço melhor; modernização dos serviços dos chamados trens de subúrbio (tipo CPTM e SuperVia) — hoje defasados ao extremo; tratamento viário simples para os ônibus não ficarem entalados em ruas de bairros de periferia; a tão necessária expansão dos metrôs e, claro, aproximar as moradias das pessoas dos locais de trabalho, pulverizando as ofertas de emprego e renda. Por que isso não causa mais deslumbramento? Veja o exemplo de São Paulo. Em torno de 12 milhões de habitantes, e apenas uns 80 e poucos quilômetros de metrô de verdade. Cerca de 17 mil quilômetros de vias e apenas 133,3 km de corredores de ônibus, dos quais oito quilômetros são de BRT  – Bus Rapid Transit (que oferece mais agilidade para os ônibus). As cidades correm o risco de ser inundadas por soluções compartilhadas de uso individual? – contraditório, não? Pode-se pedir tudo clicando nos botões dos aplicativos, mas ainda está difícil se movimentar nas cidades e o básico não é feito. Por isso, menos botão e mais arroz e feijão (na mobilidade).

    ADAMO BAZANI, jornalista especializado em transporte