• Prioridade ao transporte individual prejudica interesse coletivo

    08/03/2013 Categoria: Novidades da Rede

    Antenor Pinheiro: Crédito: Mantovani Fernandes/O Popular

    A situação cada vez mais frequente de atraso dos ônibus ou de sua superlotação tem promovido manifestações de usuários e até da mídia por uma solução aparentemente óbvia: “É preciso colocar mais ônibus nas ruas!” Para um especialista no assunto, como Antenor Pinheiro (Coordenador da Associação Nacional de Transportes Públicos Regional Centro-Oeste e Superintendente de Desenvolvimentos Urbano e Trânsito da Secretaria de Estado das Cidades/GO) a solução não está no aumento de ônibus, mas no aumento de viagens. 

    A inversão da lógica tem como base a falta de “espaço” para a movimentação dos coletivos, originada no excesso de veículos particulares que congestionam os principais corredores do transporte de massa. Com dificuldades de acesso aos pontos de embarque, os ônibus chegam com atraso suficiente para se deparar com acúmulo de passageiros em espera. Começa aí o drama de um serviço que já é tido como um dos melhores do país, mas que está cada vez menos disponível com a pontualidade e assiduidade programadas.

    Para explicar melhor o problema e apontar as causas e soluções, a RMTC entrevistou Antenor Pinheiro:

    RMTC: De que forma o excesso de carros nas ruas prejudica o transporte coletivo?

    Antenor Pinheiro: Historicamente a infraestrutura viária das cidades brasileiras foi concebida para acomodar a demanda do transporte individual (carros e motocicletas), sem que houvesse a devida preocupação com os demais modais de transporte, em especial o coletivo. Por isso, muito pouco espaço dos sistemas viários urbanos é dedicado ao transporte coletivo. Há insuficiência de corredores exclusivos, ou mesmo preferenciais para os ônibus nas cidades brasileiras. Essa lógica de gestão, somada ao estímulo do uso do carro, permitiu que as vias urbanas se entupissem de carros e motos, que permanentemente disputam espaços com os ônibus. Logo, essa desigual disputa travada entre carros/motos e ônibus nos espaços comuns de mobilidade interfere na velocidade dos ônibus, razão pela qual suas viagens se tornam mais demoradas e o critério da regularidade (frequência/assiduidade) seja por isso prejudicada, o que compromete a credibilidade do sistema. É preciso lembrar que a taxa média ocupacional do veículo brasileiro é de 1,3 pessoas em cada viagem. Logo, um ônibus que transporta 60 pessoas equivale a 46 carros. Esta relação confirma a distorção do sistema experimentada nas ruas das cidades brasileiras.

    RMTC: Quando um ônibus chega atrasado em determinado ponto de ônibus ou com excesso de passageiros, a primeira ideia sugerida pelos clientes é aumentar a frota e colocar mais ônibus nas ruas. Por que essa medida não adianta?

    Antenor Pinheiro: Quando o ônibus atrasa ou chega lotado, a primeira sentença do passageiro é condenar o sistema pela falta de ônibus. Leigo, ele precipitadamente atribui ao sistema de transportes a responsabilidade pela alegada “escassez” de ônibus. Mas esse é um raciocínio incorreto, porque se adicionarmos mais ônibus nas ruas já saturadas para competir espaços com a predominante frota de carros/motos, o que teremos é o agravamento de retenções e congestionamentos. Logo, teremos ainda mais lentidão no sistema. Costumo repetir: não faltam ônibus, mas viagens!

    RMTC: É possível dar um exemplo prático e/ou hipotético de um caso semelhante para ilustrar melhor a ideia?

    Antenor Pinheiro: Podemos fazer uma analogia com a escada rolante de um shopping. Se você encontra espaços à sua frente para chegar mais rápido no próximo piso, você não precisa seguir o ritmo da velocidade do equipamento. Havendo espaço livre à frente, você pode escalar degraus e assim chegar mais rapidamente que o comboio ao próximo piso – é o princípio do corredor exclusivo. Por outro lado, se a mesma escada rolante não lhe garante espaços livres à frente, você seguirá obrigatoriamente o ritmo do comboio, não haverá incremento à sua velocidade. Logo, quanto mais gente adentrar no espaço já saturado (e disputado) da escada rolante para chegar ao próximo piso, de nada adiantará: o ritmo será o mesmo, ou menor, por excesso de usuários. Ainda haverá a possibilidade do motor da escada rolante vir a quebrar – o que seria o colapso do sistema (rsrsrs). A diferença neste simplório exemplo é que enquanto a escada rolante é quem conduz o comboio, no sistema viário o comboio é que se movimenta sobre ele, com o agravante das paradas, estacionamentos, quebras e outras eventualidades interferentes.

    RMTC: De que forma os corredores exclusivos para ônibus podem resolver ou amenizar o problema?

    Antenor Pinheiro: O corredor exclusivo permite o desempenho ideal da velocidade comercial dos ônibus, pois não haverá disputa com carros/motos na ocupação dos espaços de mobilidade. Se a ele se somam tecnologias de sincronização de semáforos, pontos de ultrapassagem intracorredores e/ou a redução de interseções transversais, ainda mais será otimizada esta velocidade. Por consequência, haverá inequívoco cumprimento das planilhas de viagens. Voltemos ao exemplo da escada rolante: se ela está lotada, mas o seu lado esquerdo desobstruído, evoluindo por este você chegará mais rápido que o lento comboio ao seu destino.

    RMTC: Quais outras soluções seriam exequíveis em Goiânia?

    Antenor Pinheiro: A expansão da política de corredores exclusivos (BRT) e preferenciais (BRS); a implantação do que está planejado, mensurado, simulado e já sabido por todos; a implantação do projetado VLT (Governo Estadual); a estruturação e integração do sistema cicloviário  à RMTC; a melhoria do quesito acessibilidade universal e a repaginação do sistema de calçadas; a criação e efetivação das zonas de restrição de tráfego (ZRT); a implantação de pedágios urbanos e a automatização do controle de estacionamentos (parquímetros) como fontes financiadoras do sistema. Todas essas exequíveis ações requerem vontade e decisão política, o compromisso público do gestor institucional de, radicalmente, investir na infraestrutura do transporte coletivo como política pública permanente da mobilidade social.