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Opinião: O lento assassinato do transporte público
Cileide Alves
Artigo originalmente publicado em 28/09/2019 no jornal O Popular
Há dez anos o sistema de transporte coletivo da Região Metropolitana de Goiânia (RMG) tinha 685 mil usuários por dia. Neste 2019 tem só 460 mil passageiros, queda de 33% na década. No mesmo período a população cresceu. Só a de Goiânia aumentou em 18%. Saltou de 1,281 milhão para 1,516 milhão. Já a frota de carros na capital, para continuar no maior dos municípios da RMG, aumentou em 43,27% e a de motos, 54,59%, revelou reportagem deste jornal no domingo (21).
A migração do transporte público para o individual não ocorreu por acaso. É decorrência de algumas políticas públicas e da omissão de gestores na gestão do transporte. A frota particular cresceu estimulada por facilidades de financiamento e redução de tributos, como o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), que vigorou até 2013.
Paralelamente, ocorreu na Região Metropolitana de Goiânia uma irresponsável omissão do poder público diante da complexa questão da mobilidade urbana. A última intervenção no sistema foi em 2008 com a licitação das linhas de ônibus e a renovação da frota. Portanto, o transporte individual avançou também no cenário de deterioração do sistema de transporte. Junto com os veículos, crescem o tempo gasto no trânsito, a poluição e o número de acidentes.
Atualmente há dois movimentos de reforço do transporte coletivo. A construção do BRT (Bus Rapid Transit), que terá aproximadamente 22 quilômetros de extensão e ligará as regiões norte e sul, entre Goiânia e Aparecida. Começou em marcha lenta na época do prefeito Paulo Garcia e quase foi abandonado por Iris Rezende. Foi com uma certa má vontade que o prefeito concordou em tocar o projeto adiante.
A segunda iniciativa responde pelo nome de desoneração da tarifa de ônibus. Ela prevê a criação de um fundo de transporte para subsidiar a tarifa e para investir na melhoria do sistema (vias, terminais, pontos de ônibus). Para dar conta desse desafio, a receita do fundo teria de ser de R$ 260 milhões por ano.
De onde viria esse recurso se os orçamentos públicos (do governo estadual e das prefeituras) estão no osso? Do transporte individual, ou seja, de uma taxa de cerca de 70 reais a ser cobrada na licença anual de veículos e de outras taxas, como publicidade em pontos de ônibus e de parquímetros.
Proposto pela Companhia Metropolitana de Transporte Coletivo (CMTC), o projeto recebeu apoio dos prefeitos de Goiânia, de Trindade (Jânio Darrot), de Aparecida (Gustavo Mendanha) e de Senador Canedo (Divino Lemos), os maiores da região. Mas sofre oposição direta de deputados estaduais dependentes do discurso populista que atrai likes fáceis nas redes sociais.
O projeto enfrenta também uma certa indefinição do governador Ronaldo Caiado (aliás a indecisão parece ser uma marca de seu governo). Caiado deu aval ao projeto de lei para desoneração da tarifa, em reunião com Iris em 13 de agosto. Só que na semana passada a Procuradoria-Geral do Estado deu sinal vermelho à proposta, alegando inconstitucionalidade.
Depois disso o governo fechou-se em silêncio. Os prefeitos não reagiram e deputados contrários ao projeto comemoraram o aparente recuo. Fizeram discurso para suas redes sociais, mas ao serem confrontados sobre a fonte de receita para investir no transporte apontam o combalido orçamento público ou recursos acessórios, como a publicidade. Em tempo: a receita de São Paulo com essa propaganda é de apenas R$ 38 milhões ao ano. A RMG precisa de R$ 260 milhões de receitas extra tarifárias.
O futuro é previsível. Em dezembro as concessionárias de ônibus vão solicitar o reajuste anual da tarifa, garantido em contrato, os mesmos políticos que se opõem à desoneração vão fazer discurso contra as empresas, vão ganhar likes em suas redes, o reajuste vai ser aprovado em maio e a qualidade do serviço continuará sofrível. É ou não um lento assassinato do sistema de transporte público?
Sem uma solução imediata para a mobilidade urbana, Goiânia tende a parar no trânsito.
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Para urbanista, Plano Diretor de Goiânia é bom para transporte público
Erika Kneib acredita que proposta em discussão na Câmara traz avanços, mas alerta para necessidade de prazos e recursos para sua implementação
Reportagem publicada pelo jornal O Popular em 27/08/2019
Com pós-doutorado em mobilidade urbana, a arquiteta e urbanista Erika Kneib diz que o projeto de lei que revisa o atual Plano Diretor de Goiânia avança bastante na questão ao reforçar nas políticas de transporte público propostas pelo projeto aprovado em 2007 e tentar promover a integração de diferentes modos de transporte, mas apresenta contradições, como o incentivo a políticas que estimulam o uso de transporte particular, e ausências, como a falta de propostas para desencorajar o que ela chama de “excesso de carro” nas vias públicas.
Erika também critica a falta de planejamento por parte do poder público para efetivamente implementar o que foi planejado no Plano Diretor de 2007. “O plano de 2007 foi de vanguarda. Trouxe muitos conceitos importantes para a mobilidade, inclusive anteriores à lei federal de mobilidade, e adotou uma estratégia muito importante, mas também muito ousada, que foi basear todo o planejamento da cidade em conjunto com o transporte público. Este modelo de cidade avançou, as construções aconteceram, mas infelizmente a infraestrutura do transporte público não avançou como esperado”, comentou a urbanista.
Érika foi entrevistada pelo POPULAR dentro da série “Plano Diretor para Todos”, iniciativa do jornal em conjunto com a rádio CBN Goiânia para esclarecer de forma mais detalhada o conteúdo do projeto de lei que tramita na Câmara Municipal desde o dia 10 de julho e cuja previsão de votação ficou para 4 de dezembro. Todas às terças e quintas-feiras, até o dia 12 de setembro, às 15h30, em transmissão ao vivo nos perfis do jornal no Facebook e no Youtube especialistas e autoridades públicas e civis serão entrevistados pelo POPULAR sobre aspectos importantes do projeto.
Para Erika, Goiânia não tem outra opção a não ser investir na infraestrutura do transporte coletivo. “Toda a cidade está estruturada neste modelo.” Mas ressalta que apenas isso não basta e que o poder público precisa também fazer uma melhor integração entre os diferentes tipos de transportes. “A gente precisa integrar os diversos tipos de transporte. Isso é uma questão importante trazida no plano de 2019. Sem isso, não existe mobilidade. O transporte público é fundamental, porque estrutura a cidade, mas sozinho não consegue dar conta da mobilidade urbana”, disse.
No modelo de mobilidade considerado como ideal pela urbanista, as pequenas distâncias seriam feitas a pé pelo cidadão e os deslocamentos médios, por meio de bicicletas. Já os longos percursos, de um bairro a outro, deveriam ser feitos priorizando o transporte coletivo. “Mas ele precisa ser rápido, ágil, competitivo em relação ao carro”, destaca. O carro, inclusive, está inserido neste modelo, mas de forma mais “racional”. “Quando for muito necessário. Se fizermos um planejamento equilibrado, conseguimos resolver o problema da mobilidade.”
Contradições
Érika afirma que o projeto encaminhado para a Câmara acerta quando fortalece o transporte público e promove a integração entre os modos de locomoção, abordando a questão das bicicletas e das calçadas. Mas apresenta também “alguns pontos contraditórios”. “Fala de viadutos, alargar vias para facilitar a fluidez do tráfego e ampliar a capacidade viárias. Mas o que a gente quer? Uma cidade com o transporte público protagonista ou vias que vão favorecer o carro. São (conceitos) incompatíveis”, afirmou.
Ela destaca que obras como viadutos precisam ser feitas “com muito cuidado”. “O viaduto não resolve problema de congestionamento. A fluidez até melhora nos primeiros meses. (Entretanto,) as pessoas se sentem mais estimuladas a usar o carro. (É uma iniciativa que) Não se sustenta.”
A urbanista também sugere que os vereadores incluam um item que não consta no projeto e que ela reconhece como bastante polêmico. “Como vamos desencorajar o uso do carro pelos próximos 10 anos. Se não pensar como desestimular, não teremos avançado muito”, explicou Erika.
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Opinião: Investir no transporte
Publicado originalmente no Jornal O Popular
13/06/2019por Olmo Borges Xavier
Assessor de Mobilidade Urbana do RedeMob Consórcio“Investir em mobilidade é fundamental para que as cidades possam se desenvolver em uma esteira racional e sustentável”
O modelo utilizado para custear as redes de transporte na grande maioria das cidades brasileiras está ultrapassado. A ancoragem nas receitas arrecadadas com a tarifa paga pelo usuário limita a melhoria do serviço e faz com que qualquer comparação com outras localidades de países da Europa e América do Norte seja, no mínimo, grosseira.
Além do investimento em infraestrutura, ação basilar para garantir fluidez e competitividade aos modos coletivos de mobilidade, os entes federados – prefeituras, Estados e a União – têm que enfrentar o problema do custo operacional dos sistemas de transporte público, que é maior do que o cidadão comum pode suportar.
Quão melhor o serviço ofertado, maior é seu custo. Essa máxima não pode ser atenuante para acomodações, ao mesmo tempo que desconsiderá-la é uma irresponsabilidade. Construir soluções para melhorar a experiência de quem usa transporte de massa em seus deslocamentos diários tem que ser meta perene de gestores, operadores, técnicos e estudiosos do setor. Contudo, um real upgrade de qualidade transcende a capacidade de planejamento e exige investimentos por parte do poder público.
Madri conta com uma complexa rede de ônibus, metrôs e trens urbanos para atender os mais de 6 milhões de habitantes de sua região metropolitana. Passageiros de todas as classes sociais atestam a boa qualidade do serviço ofertado. O preço básico da passagem é 1,5 euro e equivale a 44% do custo total, algo em torno de 3,4 euros. Convertendo a moeda, podemos afirmar que o passageiro de lá paga menos de 7 reais por um serviço que custa mais que 15 reais. Essa diferença provém de receitas extratarifárias, em regra, subsidiadas pelo Estado.
O impacto do custo do transporte público na renda mensal expõe ainda mais esta fratura. Em Paris, o preço do bilhete básico é 1,9 euro, enquanto os ganhos mensais ali giram em torno 2.270 euros por pessoa. Considerando duas viagens por dia, o transporte compromete pouco mais de 5% da renda de um parisiense. No Brasil, com esse mesmo padrão de cálculo, essa razão varia entre 10% e 17%, a depender do centro urbano. Isso comprova que nossos sistemas de transporte público, além de serem considerados deficientes, são caros para quem usa.
É preciso desmistificar esse tema, encarar a realidade e garantir o incremento de recursos públicos para subsidiar os sistemas de transporte urbano. Atribuir essa tarefa aos reajustes tarifários é hipocrisia. Investir em mobilidade é fundamental para que as cidades possam se desenvolver em uma esteira racional e sustentável.
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Hackers do bem
Fazer um debate honesto sobre transporte público coletivo é um desafio. Como entender que esse serviço essencial a população, descrito na Constituição Federal como Direito Social – no mesmo patamar que educação, saúde e moradia – padece com a escassez de investimentos públicos? Como não admitir que este é um problema das cidades, e não uma simples relação comercial entre quem compra e quem vende um produto?
Como defender que neste setor a irrestrita concorrência entre os prestadores e serviço é nefasta e excludente? Em uma rede complexa como é o caso da RMTC, necessariamente existem dezenas de linha deficitárias, onde a tarifa paga por quem usa não consegue suprir os custos da operação? Como seria a vida dessas pessoas sem esse serviço? E se todos itinerários noturnos fossem excluídos porque comercialmente não são viáveis?
Perguntas como essas não se sanam apenas com respostas. É necessário estabelecer uma cultura de debate sobre a mobilidade urbana e desmistificar algumas “verdades absolutas” para que se possa progredir.
As grades curriculares e práticas acadêmicas nas escolas de arquitetura, que por vocação deveriam estudar o tema, negligenciam sua importância para a cidade. Daí a relevância do Hackinnovation Mobinova que aconteceu esse fim de semana em Goiânia. Uma espécie de maratona de hackers, formada majoritariamente por jovens com menos de 25 anos que são estudantes universitários ou recém formados em arquitetura, engenharia ou áreas ligadas ao desenvolvimento tecnológico. Uma imersão de 48 horas ininterruptas de muito trabalho onde o objetivo foi melhorar a forma como as pessoas se deslocam por aqui, com desenvolvimento de soluções que fomentam negócios inovadores e aplicação para a mobilidade urbana sustentável.
Dos 80 selecionados para desenvolver as ideias, 90% nunca participou de um debate sobre mobilidade urbana. Independente das soluções criadas e da classificação de cada um nessa competição, o reforço de oito dezenas de formadores de opinião discutindo transporte público coletivo com uma abordagem mais honesta, é muito positivo.Olmo Xavier
Arquiteto, Urbanista e Assessor de Mobilidade do RedeMob Consórcio
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Cidade Espraiada
O debate sobre fluxo migratório internacional está cada vez mais presente na agenda geopolítica, em que pese isso não ser novidade na história da humanidade. A busca por melhores perspectivas de trabalho ou a fuga de guerras e repressões internas, fazem com que homens, mulheres e crianças apostem todas as fichas na possibilidade de construir um futuro diferente do que está desenhado para suas vidas.
A Europa Ocidental e os EUA ainda são os locais que mais atraem os migrantes, contudo, cidades fora desse eixo, como Xangai (China) e Lagos (Nigéria) quase dobraram sua população nos últimos 20 anos e ultrapassaram a barreira de 15 milhões de pessoas vivendo dentro de seus limites territoriais.
No Brasil, os 17 municípios com mais de 1 milhão de habitantes abrigam 21,9% da população. A taxa de urbanização saltou de 20 para 90% em pouco mais de 60 anos, o que provocou um crescimento não ordenado das cidades. Esse fenômeno desencadeia uma série de reivindicações populares por mais direitos e cidadania. O transporte público coletivo sempre compõe esta pauta.
Cidades que alvitram uma melhor qualidade de vida para seus moradores tem a mobilidade urbana como um pilar de desenvolvimento. A sustentabilidade na racionalização dos espaços públicos contribui para que isso seja possível. A ilha de Manhattan em Nova Iorque tem 30 mil habitantes por Km². Neste compasso seguem Londres, Barcelona e Paris, respectivamente com 12, 15 e 21 mil habitantes por Km².
Alcançar esses índices não tem que ser meta de nenhum município, contudo o espraiamento urbano antes da cidade atingir uma densidade ideal, talvez seja o principal vilão da crise vivida pelo do setor de transporte público. Goiânia tem pouco mais de 2 mil habitantes por Km² e cada revisão do plano diretor ganha uma nova expansão. Alqueires e hectares se transformam em metros quadrados e os vazios urbanos que já existem somam-se a outros criados e impactam diretamente o custo da infraestrutura e indicadores sociais como segurança e saúde.
Via de regra, o planejamento de transporte é reativo a esta política e não cumpre o seu papel de ordenador do território. Novas linhas e extensões de itinerários são concebidos para suprir a perspectiva de demanda imposta pelo mercado imobiliário. De uma vez só as viagens ficam maiores, mais caras e menos atrativas.
A falta de priorização em vias saturadas de automóveis e a necessidade de mais transbordos em terminais de integração, impõe ao usuário do ônibus perder até 60 horas semanais em deslocamentos pendulares. Nesta disputa desonesta, a migração deste passageiro para um modo de mobilidade individual motorizado, passa a ser limitada apenas pela capacidade de endividamento de cada um.
Estas escolhas refletem na desidratação da demanda em todo País. A Rede Metropolitana de Transporte Coletivo de Goiânia registrou queda de 37,9% nos últimos 10 anos, ao passo que a população cresceu 15% no mesmo período.
Cidades inteligentes que usam a tecnologia em seu processo de planejamento, a universalização da informação através das redes sociais e a mecanização do trabalho no campo, fazem com que a reversão desta tendência de urbanização seja improvável.
Cabe aos gestores e planejadores racionalizar os espaços construídos e buscar cidades mais compactas. Propostas criativas e sustentáveis para os ambientes urbanos ensejam um futuro mais próspero. O transporte público coletivo é parte indissociável deste processo. Um mundo melhor é coletivo e lá se chega de ônibus.
Olmo Xavier – Assessor de Mobilidade Urbana do RedeMob Consórcio
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